sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Manoel de Barros

"Para compor um tratado sobre passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach."

_______Manoel de Barros (Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo) 

domingo, 9 de maio de 2010

Deus justo um pássaro



















às vezes chego achar que Deus é um pássaro
a nos aconchegar com preciosas asas
emanando um absurdo vento
a refrescar a cansada fronte

como imaginar Deus justo um pássaro
derramando extensa liberdade
quando recorro as memórias primeiras
vejo escuto apenas correntes

será que não passa essa vontade de finitude
na mais delicada flor, na mais terna gota de orvalho
será que Deus justo um pássaro
esteve a nos abrigar e soprou esse sonho de liberdade...




quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

enquanto a noite

enquanto segue a noite
durmo tranquilo
embaixo de uma árvore frondosa
enquanto insiste a noite
vago absurdo por entre lembranças desavisadas
em meio ao latejar morno
diante do céu de nenhuma estrela
enquanto insinua a noite
fico prostrado
esperando não sei o que
de onde não se escuta
intermitentes gritos roucos
enquanto destaca a noite
suas mumunhas em desacordo
figuras descompromissadas
entrechoque acidental
enquanto finda a noite
fico a espreita esperando
uma gota de sereno orvalhante
uma brisa restauradora
um raio de sol que possa me reanimar

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Caravana - Geraldo Azevedo e Alceu Valença

Corra não pare, não pense demais
Repare essas velas no cais
Que a vida cigana
É caravana
É pedra de gelo ao sol
Degelou teus olhos tão sós
Num mar de água clara

domingo, 22 de junho de 2008

trecho do poema A Terra Desolada de T. S. Eliot

Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o
canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.

terça-feira, 22 de abril de 2008

clepsidra

temo que as horas passem
gastas, imóveis, sem sentir
em medir, um despropósito
basta olhar para perceber
a pulsação das passagens findas
de antemão, a febre o feito
arrastando-se escorrendo
cada um a seu termo...